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As fortes chuvas no Rio Grande do Sul causaram estragos no setor peculiar da região nesta semana, impactando milhares de bovinos, suínos e aves criadas para consumo. As enchentes tiveram consequências diretas nos animais, com centenas sendo arrastados pela correnteza ou se afogando em galpões inundados.

Mesmo em regiões menos afetadas pelas chuvas, milhares agora enfrentam o risco de falta de alimento e outros problemas ocasionados por bloqueios nas rodovias, danos à infraestrutura, interrupções no abastecimento de água, falta de funcionários e paralisação dos abates. Em nota, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) estimou que pelo menos 10 unidades produtoras de carne de aves e suínos estão paralisadas ou com dificuldades extremas de operação e podem levar mais de 30 dias para se normalizarem.

“Em tragédias enfrentadas pelo Rio Grande do Sul, nos preocupa que os animais pecuários recebam vistos apenas como um prejuízo comercial e não como milhares de vidas em sofrimento. Esses animais também sentem medo, fome e a escalada do impacto é assustadora — algumas das regiões mais impactadas são grandes produtoras agropecuárias, como o Vale do Taquari, que abate quase 2 milhões de porcos por ano. Só na cidade de Nova Bréscia são quase 2 mil frangos por habitante”, aponta Cristina Diniz, diretora da ONG Sinergia Animal no Brasil. 

Em uma granja em Harmonia, no Vale do Caí, bolsas de frango morreram afogadas. Já no município de Triunfo, a água chegou na altura do pescoço dos bovinos. Em entrevista ao Globo Rural, uma empresa contratada para resgatar animais de 80 produtores rurais relacionados que muitos estavam em galpões fechados e acabaram morrendo antes de serem socorridos. Em três dias, a empresa conseguiu resgatar mais de 500 bois na região.

O número ainda é proporcionalmente baixo. Com os esforços focados na população e, quando há atenção aos animais, majoritariamente em cães e gatos, as espécies criadas para consumo acabam não sendo priorizadas. O Rio Grande do Sul é um dos principais produtores de carne do país. De acordo com o IBGE, o estado acumula um rebanho de quase 12 milhões de bovinos, 573 mil de porcos e 22 milhões de galináceos. 

“Grande parte dos animais na pecuária são criados em altas concentrações e são impossibilitados de fugir ou de procurar abrigo em áreas mais elevadas, como fariam na natureza. Eles não têm opção. Ficam presos em galpões ou até mesmo em gaiolas individuais, como é o caso das porcas gestantes e de centenas de bezerros na indústria do leite. Em caso de enchente, esses animais podem agonizar por horas ou até dias antes de se afogarem”, lamenta a bióloga especialista em bem-estar animal, Patrícia Tatemoto.

Búfalos e porcos arrastados pela água
Mesmo em criações extensivas como chuvas fortes geram problemas. Nas redondezas de Porto Alegre, os moradores se surpreenderam com búfalos correndo pela cidade. Cerca de 200 animais de uma fazenda na ilha do Lage, no rio Jacuí, foram levados pela correnteza e arrastados por mais de 20 quilômetros. 

No Vale do Taquari, diversas imagens gravadas por moradores de Roca Sales mostram amostras de porcos vitimizados pela enchente ao longo de uma estrada rural. A cidade registrou cenas semelhantes a menos de um ano, em setembro de 2023, após a passagem de um ciclone — na época, viralizou nas redes sociais um vídeo com porcos tentando desesperadamente se abrigar em cima de um telhado. 

“É preciso urgentemente estabelecer planos de contingência eficazes e que incluam esses animais. O sistema de produção industrial vem intensificando a reprodução e criando rebanhos cada vez maiores, em condições não naturais. O setor pecuário é responsável por essas vidas e deve garantir a sua segurança e condições mínimas de bem-estar em caso de desastres naturais”, argumenta Diniz. 

No início do ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o aumento de ocorrências de extremos climáticos, agravadas também pela pecuária industrial, e o seu impacto em países do Sul Global.

Falta de alimentos, infraestrutura e paralisação nos abates
Além das consequências diretas, a chuva também está causando problemas logísticos e de infraestrutura que podem impactar o bem-estar de milhares de animais. Inclusive em regiões menos impactadas pela chuva, que dependem de rodovias e de outras cidades para suas operações. 

Com os bloqueios nas estradas, a principal preocupação é a instabilidade na alimentação e no transporte de animais, assim como as autoridades. A situação é agravada pela paralisação dos abates. Em São Sebastião do Caí, o frigorífico Agrosul Agroavícola teve que suspender as vendas desde quarta-feira (1) por não conseguir trazer funcionários, nem transportar animais vivos ou escoar a carne já produzida. Uma planta reduz 100 mil aves por dia e recebe animais de 90 municípios gaúchos. 

“Uma operação industrial peculiar em grande escala, mesmo um ou poucos dias sem abatimentos pode criar um efeito dominado por consequências negativas para o bem-estar de animais — que já vivem em condições intensas. É um modelo insustentável. O volume de animais que aguardam processamento pode sobrecarregar rapidamente a capacidade limitada das instalações onde são criados, podendo levar à superlotação, ao aumento dos níveis de estresse e ao risco de lesões ou mesmo de transmissão de doenças”, explica o especialista em bem-estar animal. 

Fonte: Sucesso no campo